Armênia e Moçambique: sonhos de liberdade e futebol


Armênia e Moçambique: sonhos de liberdade e futebol

Moçambique, no seu continente, e Armênia, no Cáucaso, quase sumindo do mapa universal do futebol. No meio da história, política e religião.

Armênia e Georgia foram as primeiras nações que se converteram, oficialmente, ao Cristianismo, resistência aos conquistadores islâmicos

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Eusébio, de Moçambique, rivalizou com Pelé nos anos 1960. Foto: Reprodução Facebook

Por Albino Castro

São Paulo, SP, 25 (AFI) – Sou filho de pai espanhol, de quem herdei nome e sobrenome, ou seja, Albino Castro, natural da mágica Galícia, e de mãe franco-libanesa, da família Rabay,católica e fortemente vinculada à amada Zahlè, no Líbano, e do ramo dos Roustan, também católicos, majoritariamente residentes na metrópole egípcia do Cairo. Os espanhóis eram perseverantes negociantes e, no dia a dia, entremeavam os idiomas galego e o castelhano, enquanto os Rabay e Roustan, hábeis comerciantes, misturavam, com fluência, numa mesma conversa, o francês e o árabe. Cresci num ambiente bastante cosmopolita e cultivei fervorosa devoção aos heroicos cristãos do Oriente – que há séculos resistem às guerras religiosas impostas pelos conquistadores islâmicos. AMOR INCONDICIONALÉ um amor incondicional, que se estende dos coptas do Egito às igrejas no Líbano, Síria, Terra Santa, Iraque e à bizantina Constantinopla, atual Istambul. Admiro, de modo igual, os ortodoxos da Europa Central e da Rússia – assim como de duas repúblicas do Cáucaso: Armênia, berço dos Roustan, e a Georgia, local de nascimento, na capital Tbilisi, de nosso festejado ancestral, Raza Roustan (1783 – 1845), legendário chefe da guarda de Napoleão Bonaparte (1769 – 1821). Coincidentemente, Armênia e Georgia foram as primeiras nações que se converteram, oficialmente, ao Cristianismo. A primeira, em 301 da Era Comum, e a outra, em 337. Antes, portanto, do Império Romano, em 380, por ordem do Imperador Teodósio I (347 – 395).VÍTIMA DO GENOCÍDIO

Por isso, desde a juventude, defendo a causa da Armênia – vítima do genocídio de 1,5 milhão de pessoas, no início da Grande Guerra (1914 – 1918), perpetrado pelo regime ‘republicano’ dos chamados ‘jovens turcos’, sucessores, após golpe militar, dos sultões otomanos. Há muitos anos sou assinante de uma preciosa publicação mensal dos armênios, editada em Paris, com o título de “Nouvelles d’Arménie Magazine”. Tive, aliás, a ideia de escrever esta coluna justamente ao receber o exemplar de número 297, de julho de 2022, depois de ler um artigo, na seção de Esportes, às páginas 100 e 101, no qual o jornalista Aharon Boyadjian questiona: “Porquoil’Arménie n’y arrive pas?”, isto é, “Por que a Armênia já não consegue?“ – referindo-se ao fato de o país, ao se tornar independente da União Soviética, nunca ter se classificado para uma Copa do Mundo. AUGE DA ARMÊNIAO auge do futebol armênio aconteceu, com efeito,na segunda metade do século passado. Precisamente em 1973, quando o surpreendente Ararat Ierevan, da capital da nação caucasiana,foi o vitorioso na ‘dobradinha’ das principais competições soviéticas. Sagrou-se campeão nacional, com três pontos à frente do poderoso ucraniano Dínamo de Kiev, do atacante Oleg Blokhin, de 69 anos, e venceu,ainda,a Copa da União Soviética, derrotando, na final, novamente, o mais tradicional clube da Ucrânia. O grande craque daquele inesquecível Ararat Ierevan, sob a direção do técnico Aleksander Ponomarov (1918 – 1973), era o centroavante Eduard Makarov, nascido na Armênia, atualmente, com 80 anos, que disputara a Copa do Mundo de 1966 pela União Soviética. O próprio Ponomarov, antes de ser contratado pela equipe armênia, fora treinador em 1972 do selecionado soviético. Acreditava-se, narra o articulista de “Nouvelles d’Arménie Magazine”, que o futebol armênio, perdendo o vínculo com Moscou ,brilharia no cenário internacional ou, pelo menos, no âmbito europeu. DEBACLE ARMÊNIOMas sequer se sobressai, no momento, entre os clubes da região ou até diante dos inimigos históricos – a Turquia e o Azerbaijão, país com o qual está em conflito desde o século XIX pelo território do Alto-Karabakh.  O mesmo ocorre na vizinha Georgia, na qual, durante a existência da União Soviética (1917 – 1991), o célebre Dínamo Tbilisi era presença constante nos torneios europeus.A questão da debacle do futebol armênio, após a independência, me transportou, automaticamente, para uma das importantes referências da Lusofonia, o querido Moçambique, fincado ao Sul das Áfricas, na costa do Oceano Índico. Também os moçambicanos sonharam que, livres da Metrópole, seu futebol passaria a ser, no mínimo, reverenciado e respeitado em todo continente – do Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Egito às nações do Mar Vermelho e novos países do Golfo da Guiné e da África Central. Afinal, eram moçambicanos alguns dos mais geniais jogadores portugueses, que marcaram a pátria das Quinas nos anos 1960. A começar pelo bicampeão europeu Benfica (1961e 1962), com estrelas como o goleiro Costa Pereira (1929 – 1990) e os atacantes Coluna (1936 – 2014) e Eusébio (1942 – 2014). DOIS CRACAÇOSEstes dois últimos revelados pelo Sporting de Lourenço Marques, rebatizada para Maputo, capital à época da Província Ultramarina. O azulino Os Belenenses também teve em seu time os irmãos Vicente, quarto-zagueiro, considerado o melhor marcador de Pelé, e o goleador Matateu – ambos, igualmente, moçambicanos. A agremiação de Os Belenenses, pela qual tenho simpatia, leva nome inspirado no bairro lisboeta de Belém. Coluna e Eusébio se notabilizaram pela Seleção Portuguesa no Mundial de 1966 – no qual os lusitanos conquistaram o honroso terceiro lugar. Moçambique, contudo, jamais voltaria a se destacar no futebol, a partir de 1975, quando,com beneplácito dos ‘capitães’ da Revolução dos Cravos, trocou a tutela de Lisboa por um alinhamento à política expansionista de Moscou.ELO DE DOIS PAÍSES

Eusébio: maior jogador da história de Portugal. Foto: Reprodução Facebook

Desde então Moçambique, no seu continente, e Armênia, no Cáucaso, praticamente desaparecendo do mapa universal do futebol. Estranho é o elo entre os dois países. A decadência moçambicana nos estádios data de sua adesão aos mentores soviéticos. Já a Armênia, cujo território existente hoje foi salvo do massacre turco exatamente por Moscou, entrou em declínio nos gramados depois de se libertar dos laços com o Kremlim . Dois pontos em comum e motivo de curiosidade num ano em que haverá Copa do Mundo.

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